para especialistas, o ideal é a negociação
Especialistas em relações internacionais e diplomatas acompanham perplexos os desdobramentos da crise aberta pela decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de sobretaxar os produtos brasileiros em 50%. Para eles, não restam dúvidas de que há uma ingerência direta na soberania nacional, diante das críticas ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro sob suspeita de comandar um golpe de Estado, e que uma resposta firme deve ser dada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Porém, defendem espaço para negociações pela via diplomática, como ocorreu no passado, com o aço.
“Ao opinar publicamente sobre um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal, ele rompe com o princípio da não intervenção — um dos pilares da diplomacia brasileira e latino-americana”, afirmou Luciano Muñoz, coordenador do Grupo de Pesquisa em Política Externa Brasileira e professor de relações internacionais do CEUB.
Antônio Jorge Ramalho, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), disse que a reação de Trump era uma questão de tempo. “Demorou até que esse movimento chegasse ao Brasil, mas estava claro que chegaria. O governo brasileiro foi muito hábil ao negociar discretamente, até agora, o adiamento de tarifas que ferissem setores específicos da economia brasileira”, completou.
Por meio da rede social X, Lula respondeu Trump, ameaçando adotar a chamada “reciprocidade” no que refere às ações comerciais, em que há a imposição de taxas de até 50% à produção brasileira. Na prática, significa que a mesma medida será adotada sobre os produtos norte-americanos — sobretaxação em percentual igual ao referido pelo governo dos EUA. Também reiterou que Bolsonaro é réu em processo judicial, conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Poder independente do Executivo.
Segundo Antônio Jorge, Trump ultrapassou limites, indo muito além do que um chefe de Estado estrangeiro pode fazer com outro. “Fica evidente o descompromisso com a verdade e a motivação casuística do ato. Mas esse movimento é mais grave na aparência do que na substância. A carta do presidente dos EUA coleciona mentiras de forma grosseira e não atende ao que se espera da relação entre chefes de Estado.”
Para Muñoz, faz parte da estratégia do republicano pressionar por meio de ferramentas econômicas e comerciais, sem distinguir temas políticos e de ordem interna. “O governo Trump costuma utilizar tarifas não apenas por razões comerciais, mas como ferramenta de pressão política em outros temas. Foi assim com o México, pressionado com a ameaça de tarifas para cooperar mais na questão migratória. Agora, a estratégia se repete com o Brasil: a tarifa entra em vigor em 1º de agosto, funcionando como mecanismo de pressão para forçar alguma resposta ou concessão”, observou.
Alternativas
Para os especialistas ouvidos pelo Correio, o governo Lula terá duas alternativas a adotar diante da pressão de Trump. Uma será a retaliação direta, agravando a crise e causando repercussões na economia nacional como um todo, com riscos da alta cada vez maior do dólar, de despencarem as ações das empresas brasileiras e de prejuízos em distintos setores — sobretudo agronegócios e de peças da Embraer. A outra opção, que consideram a mais adequada, é a da negociação diplomática, abrindo espaço para o diálogo.
“O Brasil terá que escolher entre duas saídas principais: retaliar ou negociar. A retaliação direta, como fez a China durante a guerra comercial com os EUA, parece improvável. O país não tem o mesmo peso econômico ou instrumentos de resposta. Além disso, retaliar com aumento de tarifas sobre produtos americanos poderia gerar inflação interna, algo sensível para o governo atual, que já enfrenta pressões sobre sua política econômica”, ressaltou Muñoz.
Para Antônio Jorge, é fundamental o equilíbrio para manter a situação sob controle. “Dependerá da resposta do governo brasileiro. No curto prazo, se for firme e sóbria em defesa da soberania nacional, o assunto sairá de pauta mais rapidamente. Alguns setores sofrerão danos pontuais, que poderão ser compensados pela política de comércio exterior”, concluiu.
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