Como os Alimentos Funcionais Conquistaram o Mercado no Brasil

Eoneren/Getty Images
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Pipoca proteica, pizza com colágeno, suco com adaptógenos, shot funcional para o foco do dia… Em um país onde a feijoada divide espaço com o whey protein, alimentos funcionais, que antes eram algo nichado, agora são tendência consolidada – e em expansão. A busca por saúde, praticidade e performance, aliada ao desejo de pertencimento a um estilo de vida mais consciente, está redesenhando o consumo alimentar no Brasil.
Entre março de 2023 e abril de 2025, pelo menos 20 fusões e aquisições movimentaram o setor de vitaminas, suplementos e nutrição no país, de acordo com estudo da Redirection International. A Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri) estima que esse mercado já movimente R$ 10 bilhões por ano – com crescimento de 8% só no último ano. Os motivos? Uma combinação de envelhecimento da população, mudanças de comportamento e um apetite crescente por bem-estar e longevidade.
“A obsessão estética do brasileiro, o valor simbólico da comida e a influência do consumo norte-americano são alguns dos vetores que impulsionam essa transformação”, explica Cristina Leonhardt, especialista em inovação alimentar e fundadora do portal Sra Inovadeira. “Não é só moda. É um movimento multifatorial, com raízes culturais profundas.”
A proteína reina, mas não está sozinha. Fibras, eletrólitos, probióticos, adaptógenos, colágeno e superfoods amazônicos se tornam ingredientes-chave na nova geração de produtos funcionais – que hoje habitam não apenas academias e dietas esportivas, mas mochilas de mães, bolsas de executivos e despensas de famílias inteiras.
Alimentos com propósito
“A proteína se tornou protagonista por promover saciedade, manter massa muscular e ajudar no controle glicêmico”, diz a nutricionista Maryane Malta, especialista em nutrição funcional e esportiva. “Mas o consumo excessivo não traz mais benefícios – o segredo está no equilíbrio e na qualidade da fonte”.
Maryane aponta um avanço na percepção de que os chamados alimentos funcionais devem ser vistos como aliados, não como substitutos de refeições. “Eles ajudam a complementar uma rotina equilibrada, mas não resolvem problemas alimentares sozinhos. A fórmula continua sendo boa alimentação, sono, exercício e cuidado com a saúde mental.”
Cristina complementa: “Há uma valorização crescente da funcionalidade, mas a experiência sensorial ainda importa. Mesmo quando estão pensando em saúde, as pessoas querem gostar do que estão comendo. Por isso, o espaço para inovação em sabores e formatos é enorme”.
A rotulagem também ganha papel de destaque nesse cenário. A nutricionista celebra avanços como os selos de advertência adotados no Brasil (“alto em açúcar”, “alto em sódio”), mas alerta para a persistência de expressões de marketing ambíguas, como “fit” ou “natural”, que confundem mais do que informam.
Gourmetização e desejo de pertencimento
Se há um conceito que ajuda a entender a força do movimento, é o de desejo simbólico. “Mesmo pessoas fora das classes mais abastadas buscam participar desse consumo, porque ele representa modernidade e pertencimento”, afirma Cristina. “A comida ajuda a definir quem somos. O que comemos comunica com quem nos identificamos.”
Nesse sentido, a “premiumização” dos produtos ganha força. “Suplementos voltados para públicos específicos, como mulheres de alta renda, já são realidade. Não chamaria de gourmetização, mas sim de uma segmentação sofisticada que responde à demanda por produtos clean label e ingredientes mais nobres.”
A especialista ainda destaca que, apesar da força da suplementação, é importante lembrar que alimentação saudável também pode ser simples: “Uma dieta com alimentos pouco processados, próxima do que a humanidade sempre comeu, continua sendo válida e eficaz.”
Amazônia e inovação nacional
Com a brasilidade cada vez mais associada à Amazônia, ingredientes nativos como ora-pro-nóbis, açaí, castanhas e jambu ganham protagonismo na alimentação funcional. “A Amazônia virou um símbolo de inovação e saúde. É o nosso celeiro de superfoods”, diz Cristina. “A Terramazonia, por exemplo, é uma marca que aposta nesse território.”
Ela também destaca a Nutrify – linha clean label da Integralmédica – e a Puravida, comprada pela Nestlé, como cases de sucesso. “A Puravida criou uma comunidade de pessoas altamente informadas, e isso virou um diferencial competitivo. Informação virou valor.” Maryane reforça: “A tendência é termos cada vez mais snacks e bebidas funcionais que aliem benefícios como imunidade, saciedade e suporte à saúde digestiva. O foco será praticidade com propósito.”
A próxima fronteira está nos detalhes: bebidas proteicas para não atletas, como mães, estudantes e trabalhadores urbanos, já se consolidaram como alternativas práticas. Mas o futuro mira ainda mais longe. Maryane prevê a ascensão de ingredientes sustentáveis, adoçantes naturais, rótulos mais transparentes e fórmulas cada vez mais ajustadas às rotinas reais das pessoas.
Cristina aposta no impacto das drogas GLP-1, como a semaglutida (Ozempic), na relação das pessoas com a comida. “A quebra da patente prevista para março de 2026 deve baratear esses tratamentos. Isso pode gerar um novo salto de consumo consciente e abrir caminho para soluções ainda mais personalizadas.”