Carlo Acutis, o ‘santo millennial’, gostava de Pelé e conhecia Nossa Senhora Aparecida
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nem todo herói usa capa. Mas a Igreja Católica agora tem um santo que já vestiu uma fantasia do Homem-Aranha.
A imagem de Carlo Acutis criança, trajes do mocinho da Marvel e sorrisão no rosto, virou símbolo de sua canonização, selada no domingo (7). Ele ganhou o apelido de “santo millennial” por ter feito da internet seu púlpito.
Morto aos 15 anos, em 2006, Carlo transformou o computador no equivalente moderno da batina: criou sites para divulgar milagres e dizia que a rede podia ser usada para o bem -uma espécie de influencer da fé, antes mesmo de a palavra pegar.
Em “São Carlo Acutis – Uma Biografia”, o argentino Jesús María Silveyra fala desse adolescente gamer que, depois da primeira comunhão, aos sete anos, nunca deixou de ir diariamente à missa. A obra faz parte de uma garantida enxurrada editorial sobre o jovem santificado após o Vaticano lhe atribuir dois milagres.
A paixão por videogames, tão típica de seus contemporâneos, fez com que seus pais o presenteassem com um Playstation aos oito anos. Carlo manuseava “com velocidade impressionante” o joystick e tinha carinho especial por um jogo: Pokémon. Mas dava bronca nos amigos que passavam o dia jogando e diziam não ter tempo para Deus.
Ganhou o primeiro computador pouco depois. Ficou craque na ferramenta e passou a ser chamado por amigos da escola e do futebol quando a máquina da casa deles dava pau. Sobre a internet, segundo seu biógrafo, Carlo dizia: “Como todo dom, pode ser usado para o bem ou para o mal. Você decide se vai transformá-la em um lixão ou em um altar.”
Era, por um lado, um garoto do seu tempo. “Eu poderia começar contando que Carlo gostava muito de animais, que tinha quatro cachorros e dois gatos em casa, que jogava futebol e Playstation, que comia chocolates e gostava de filmar com uma câmera, que empinava pipas, sabia esquiar, era torcedor do Inter de Milão e apaixonado por informática.”
Mas o autor, um devoto confesso, reconhece que seria penoso para ele “não se envolver pelo fogo que arrebata”. Escrever esse livro foi também uma jornada pessoal.
Ele conta que sua esposa está tratando um tumor no pâncreas, mesmo órgão que teria sido curado pelo primeiro milagre de Acutis em um menino de Mato Grosso do Sul. “Matheus sofria de uma doença terminal e, ao tocar nas relíquias de Carlo, foi curado”, diz Silveyra à reportagem. “Se for vontade de Deus”, torce para que um milagre se repita na sua família.
O fato de Matheus ser brasileiro, para o autor, não é obra do acaso. “Acredito que Carlo e sua mãe tinham uma relação espiritual muito especial com o Brasil.”
Canonizado num 7 de Setembro, quando o país celebra seu Dia da Independência, o adolescente morreu em outra data nacional: 12 de outubro, dia em que se celebra Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil e um dos muitos títulos associados à mãe de Jesus. “Carlo era muito devoto da Virgem, a tal ponto que dizia: ‘Maria é a única mulher da minha vida’.” E conhecia a história de Nossa Senhora Aparecida, afirma Silveyra. Sua mãe, Antonia Salzano, contou em entrevistas que tem uma imagem dela em casa.
Antonia também revelou que o filho, ainda que não fosse um artilheiro nato, adorava futebol e tinha Pelé como ídolo. A edição brasileira tem um capítulo exclusivo sobre essas e outras conexões que Silveyra traça entre a família Acutis e o Brasil.
A trilha espiritual de Carlo começou por influência de uma babá polonesa devota do papa conterrâneo, são João Paulo 2º. Chamava-se Beata Anna Sperczyńska.
Em entrevista ao autor, ela disse que a conexão entre os dois era tão forte que se comunicavam imitando animais. “Desde pequeno, ensinei-o a viver perto de Jesus.” Aos três anos, conta o biógrafo, Carlo confrontou colegas que zombavam da babá por usar um terço: “Bea, não esconda. É o colar mais bonito do mundo!”.
Os pais, católicos pouco praticantes, só se aproximaram pra valer da fé mais tarde. “Carlo sonhou com ele e que, no sonho, o avô lhe pedia que rezasse muito por ele, pois estava sofrendo no Purgatório. Quando Carlo lhe contou sobre o sonho, algo fez clic dentro de Antonia, como se tivesse virado uma chave em sua vida.”
O diagnóstico de leucemia promielocítica, uma das formas mais agressivas de câncer, precedeu em cerca de duas semanas sua morte. De novo, o autor vê convergências com sua própria trajetória. “Posso dizer que também vivi uma experiência semelhante com a morte da minha filha mais velha, embora o processo de convalescença tenha durado quase 11 anos. É uma perda irreparável, que rasga o coração.”
A descoberta da doença, contudo, não devastou Carlo. Quando soube do que lhe passava, falou: “O Senhor me deu um despertador!”.
“E disse isso sorrindo, com grande serenidade”, afirma Silveyra.
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