
Soberano Opina | A opinião que se impõe
Por Cláudio Ulhoa
Datena e Lula | Ironias de uma parceria improvável
Quando o passado cobra coerência, sobra uma pergunta no ar: Datena mudou, Lula mudou… ou alguém só mudou de ideia mesmo?
Por Cláudio Ulhoa
Se existe algo fascinante e, ao mesmo tempo, tragicômico, na política brasileira, é a capacidade de certos personagens de virarem a própria biografia de cabeça para baixo sem sequer perder o fôlego. José Luiz Datena, que um dia bradou em rede nacional que “a política está podre por causa de gente como você”, mirando o então ex-presidente Lula, agora estreia como contratado da TV Brasil e da Rádio Nacional, ambas comandadas pelo governo que ele jurava repudiar. A incoerência é tão explícita que, a esta altura, o público fica se perguntando se Datena mudou de princípios, de convicções… ou simplesmente de patrão.
O mais irônico é que Lula, que historicamente já foi alvo dos ataques passionais do apresentador, agora abre as portas da comunicação estatal para abrigá-lo com tapete vermelho e salário financiado pelo “povão” que ambos dizem defender. A cena é tão surreal que levanta hipóteses involuntariamente cômicas. Estaria Datena arrependido da velha frase? Teria Lula decidido perdoar seu inquisidor favorito? Ou estamos todos prestes a assistir ao momento histórico em que o jornalista prepara aquela famosa “cadeirada”, agora com plateia da EBC?
Há ainda quem veja, com razão, um claro cheiro de projeto eleitoral disfarçado. Não é nenhum segredo que Lula busca ampliar sua presença na comunicação pública, especialmente em períodos pré-eleitorais. E Datena, dono de uma audiência consolidada e de um discurso inflamado, torna-se uma peça útil. Mas útil até quando? O apresentador que nunca economizou críticas ao lulismo agora vira garoto-propaganda oficialista sem qualquer constrangimento público. É como se a coerência fosse um detalhe inconveniente na biografia de quem vive entre pré-candidaturas frustradas e análises políticas guiadas pelo humor do dia.
Também existe um desconforto evidente na base governista, que acusa Datena de ser um “pregador da violência” e um símbolo do sensacionalismo que eles juram combater. Mas, quando se trata de garantir minutos de audiência, parece que alguns princípios se tornam facilmente negociáveis. A pergunta que ninguém responde é: quem mudou mais, Datena ou Lula? Ou será que, no fundo, ambos sempre foram exatamente iguais, só faltava alinhamento de interesses para revelarem isso ao público?
A chegada de Datena à TV Brasil expõe mais do que uma jogada estratégica: ela revela a promiscuidade histórica entre política e comunicação no Brasil. Quando convém, adversários viram aliados; frases de repúdio viram memórias inconvenientes; e promessas de independência se dissolvem na espuma do cálculo eleitoral. Resta ao contribuinte assistir a tudo isso e, quem sabe, esperar que a tal “cadeirada” clássica apareça, não como espetáculo, mas como símbolo daquilo que essa parceria representa: um golpe certeiro na coerência e no respeito com quem paga a conta.


