Bolshoi faz 25 anos no Brasil e se firma como um divisor de águas no balé clássico nacional
Amanda Gomes, bailarina que é um dos exemplos mais citados como inspiração por estudantes da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville (SC), sobe na segunda-feira ao palco da única filial fora da Rússia da prestigiada instituição de balé, no complexo cultural e esportivo Centreventos Cau Hansen, para dançar “O lago dos cisnes”. A montagem, que abre o 42º Festival de Dança de Joinville, também marca as comemorações pelos 25 anos do Bolshoi Brasil, onde Amanda começou a estudar aos 10 anos.
- 100 anos do GLOBO: Projeto Aquarius reúne Iza, Roberta Miranda, Chico César, Martinho da Vila e OSB no Rio para celebrar; veja repertório
- Felipe Ret lança novo álbum: ‘Nume epílogo’ aborda ‘caminhada da Lapa para o país inteiro’
Quase duas décadas depois, e agora no posto de primeira-bailarina da Ópera de Kazan (cidade também chamada de “terceira capital” da Rússia e pertencente à República do Tartaristão), Amanda vive no palco a clássica história de amor com o Príncipe Siegfried. Na primeira vez que ela se apresentou nesta montagem de Vladimir Vasiliev (com fragmentos de coreografias de Ivanov, Petipa e Alexandre Gorsky) ao som da música de Tchaikovsky, o papel do príncipe coube ao bailarino russo com quem a brasileira se casou, Mikhail Timaev.
O início de sua história com ares de contos de fadas (e realidade de esforço e dedicação) se parece com a trajetória de muitas outras crianças e adolescentes que são alunos do Bolshoi Brasil. Assim como a família de Amanda, que se mudou de Goiânia (GO) para Joinville por causa do objetivo da jovem de ser bailarina, não é raro que mães e pais dos alunos tenham largado o trabalho e a vida que levavam em outras partes do Brasil para acompanhar os sonhos de seus filhos.
— Meus pais vieram com a cara e a coragem — lembra Amanda.
A história do bailarino que viveu o antagonista Von Rothbart na primeira apresentação ao lado de Amanda Gomes, e agora estará na pele do Príncipe Siegfried, não fica atrás. Wagner Carvalho é outro brasileiro que estudou no Bolshoi Brasil e alcançou o posto de primeiro-bailarino na Ópera de Kazan. Segundo cálculos da escola, dos 478 bailarinos de 22 estados brasileiros já formados pela instituição, há ex-alunos atuando em 27 países. Na lista estão nomes como Jovani Furlan, primeiro-bailarino no New York City Ballet; Luís Rego, criado no Complexo do Alemão, na Zona Norte carioca, e hoje no Dance Theatre of Harlem, em Nova York; Bruna Gaglianone e Erick Swolkin no Staatsballett Berlin; Naiara de Matos na australiana Sidney Dance Company e muitos outros.
- Sabor de vingança: como foram os shows que marcaram o retorno triunfal de Drake
Com apoio da Prefeitura de Joinville, do governo de Santa Catarina e de diferentes patrocinadores, o Bolshoi Brasil, que se apresenta como “uma escola para a vida”, responsável por “formar artistas e cidadãos por meio da dança” e incluindo aprendizados como disciplina, não cobra mensalidade dos alunos e oferece bolsas de estudo e recursos como atendimento médico e apoio psicológico. O método Agrippina Vaganova, adotado pela instituição, é dividido em oito anos de estudos. Como descreve Amanda, a formação no balé exige, de uma criança, disciplina, foco e até maturidade. Ela costuma dizer que escolheu sua profissão aos 10 anos de idade. Na ocasião, Amanda percorreu com os pais quase 1.500 quilômetros de carro de Goiânia até Joinville para fazer teste no Bolshoi — a pré-seleção é realizada em várias cidades do Brasil e por vídeo, e a segunda etapa, chamada de Seleção Nacional, acontece em Santa Catarina.
No fim das contas, é comum encontrar, entre alunos e ex-alunos, quem tenha certeza de que o esforço vale a pena.
— A Escola Bolshoi mudou a minha vida — diz Wagner, que, diferentemente da maioria dos 264 alunos da instituição, é de Joinville.
Não à toa, a convicção de que a dedicação compensa motiva Isabela, irmã mais nova de Amanda, que está no segundo ano da Escola Bolshoi — e a mudança de seus pais de Goiânia para Joinville acabou se tornando definitiva.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/h/F/mZl7ZORDAohgwN8OzAgA/sem-titulo.jpg)
Como o Bolshoi tem estudantes muito jovens e vindos em grande parte de lugares distantes, muitos deles moram em Joinville com “famílias sociais”, um recurso encontrado para viabilizar a vida dos aspirantes a bailarinos longe de casa. Levando em consideração a renda familiar, pesquisa feita pela escola indicou que 72% dos alunos vivem com até dois salários mínimos.
Diretor-geral da Escola Bolshoi no Brasil, o russo Pavel Kazarian avalia que esse perfil econômico dos estudantes acaba favorecendo a permanência na profissão:
— De outro modo, alunos acostumados com grande expectativa de renda talvez não ficassem satisfeitos com a média salarial de um bailarino e viessem a mudar para outra profissão com maior remuneração.
Um edital de 2022 para contratação temporária pelo Theatro Municipal do Rio, por exemplo, ofereceu vagas para bailarinos com salário inicial de R$ 3.500.
Qualidade da dança no país
Cecília Kerche, que atuou como primeira-bailarina do Theatro Municipal carioca e, com status de referência na profissão, foi uma das influências de Amanda Gomes, também participa de “O lago dos cisnes” do Bolshoi Brasil.
— Tenho forte vínculo artístico com a escola, em todos esses 25 anos, e acompanhei Amanda desde cedo, sempre com uma grande expressividade e técnica apurada, o que se confirma quando ela se torna primeira-bailarina num teatro da Rússia — diz Cecília, que interpreta a Rainha Mãe na montagem. — A escola é um divisor de águas, contribuiu muitíssimo com a qualidade da dança no país. E formou muitos bailarinos que, com maestria, atuam no Brasil e em diversos outros países do mundo.
Sobre um dos temas que ocupam o noticiário internacional, a guerra entre Rússia e Ucrânia, a equipe ligada ao Bolshoi de Joinville prefere passar ao largo e se concentrar na dança. Radicado no Brasil, casado com brasileira e pai de filho nascido aqui, o russo Pavel Kazarian só tem a dizer que a situação dificulta as viagens a seu país. E, morando na Rússia desde 2014, Amanda foca ainda mais no balé ao ser perguntada sobre a guerra:
— Eu não falo sobre esse assunto.
Bing News