“Brasil está mais seguro de sua força cultural”, diz diplomata

Publicado em: 11/07/2025 06:16

Com uma prolífica carreira na diplomacia, a francesa Anne Louyot, 61, tem conexões com o Brasil que remontam ao início da sua carreira, quando foi designada para a Embaixada da França em Brasília, entre 1992 e 1995. Responsável pelo Ano da França no Brasil, em 2009 — após coordenar projetos culturais na capital paulista nos anos 2000 —, Anne foi nomeada, em 2018, diretora e conselheira de cooperação e ação cultural do Instituto Francês, realizador do programa que irá movimentar quinze cidades brasileiras com 300 eventos, a Temporada França-Brasil.

Comissária do projeto, Anne conduz a programação brasileira, que possui três eixos temáticos: democracia e globalização, diversidade e diálogo ecológica.

“Nossa expectativa é mobilizar o público assim como foi feito em 2009 e em 2005, com o Ano do Brasil na França. Mas também temos o objetivo de incentivar a conexão entre instituições da sociedade civil e acelerar a cooperação bilateral. O papel dos diplomatas culturais é esse”, aponta.

A agenda, que neste primeiro semestre tem levado iniciativas brasileiras para solo francês, se transfere para o Brasil em agosto, com uma das aberturas sediadas em São Paulo, no dia 23.

Como foi coordenar essa agenda ambiciosa?

Fizemos uma convocatória com algumas condições para os proponentes. Os projetos precisam respeitar as três grandes prioridades da temporada e ser resultado de uma cooperação entre uma instituição francesa e outra brasileira. Meu objetivo não era fazer uma programação como se o Brasil fosse um teatro ou um centro cultural, mas enriquecer e estimular a troca entre os dois países. E funcionou muito bem. Em alguns projetos, inclusive, os proponentes trabalhavam juntos havia anos, como a USP (Universidade de São Paulo) e a Sorbonne. E outras inéditas ocorrem pela ocasião.

Quais parcerias inéditas se destacam?

A Casa dos Mundos Africanos, que é uma instituição francesa relativamente nova, criada após a temporada realizada com a África, entre 2020 e 2021, tece relações com o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, de São Paulo, com o Museu de Arte do Rio e com a Casa do Benin, em Salvador. Outras cooperações foram entre festivais, como o CoMA, de Brasília, que construiu uma parceria com o Río Loco de Toulouse, cidade no sul da França que gosta muito da América Latina. Eles não somente trocaram criadores na agenda como também residências artísticas.

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Em 2005, ocorreu o Ano do Brasil na França e, quatro anos depois, o Ano da França no Brasil. Quais os benefícios de realizar, desta vez, uma temporada no mesmo ano em ambos os países?

Eu acho que, em 2005, o Brasil queria mostrar a riqueza, a diversidade e a contemporaneidade de sua cultura. Porque, infelizmente, o país era conhecido por alguns clichês. Para a França, em 2009, o objetivo era modernizar a imagem. Agora, o foco é fortalecer o diálogo em torno de temáticas globais, pois a situação mundial é tensa e complicada. Somos duas grandes democracias, nas Américas e na Europa. E a diplomacia africana é importante para os dois. Então, é sobre estabelecer um triângulo positivo entre os três continentes em um momento com tantas alianças negativas. Hoje, muitos querem impor a superioridade de sua cultura sobre as outras. Com essa temporada, reivindicamos a riqueza da diversidade cultural.

Entre as quinze cidades participantes, oito estão nas regiões Nordeste e Norte. Como foi pensada essa descentralização?

Esse também foi um elemento na seleção: favorecer a diversidade geográfica. Para nós, o Norte é importante por conta da COP30 e da fronteira com a Guiana Francesa. Salvador, na Bahia, é importante por conta da conexão com a África, provavelmente o estado brasileiro que tem a relação mais forte com o continente.

 

Hoje, muitos querem impor a superioridade de sua cultura sobre as outras. Com essa temporada, reivindicamos a riqueza da diversidade cultural

Por que São Paulo como uma das cidades que abrem a agenda?

Decidimos fazer uma abertura em três cidades (Brasília, São Paulo e Belém), porque o Brasil é um país continental. E a capital paulista é a que possui o maior número de instituições culturais. Nela, será a segunda abertura, no dia 23 de agosto, em torno da segunda temática, a diversidade. Vamos ter uma performance da Ana Pi, uma coreógrafa brasileira que organiza um espetáculo com oito bailarinos franceses na Pinacoteca, uma exposição de mulheres africanas e afrodescendentes chamada O Poder das Minhas Mãos e o Concerto França-Brasil, ambos no Sesc Pompeia.

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Como será a participação da França na Bienal de São Paulo deste ano?

Ajudamos o curador (Bonaventure Ndikung) e sua equipe a conhecer melhor os territórios franceses nas Américas. Eles descobriram muitos artistas do Caribe, como Minia Biabiany e Olivier Marboeuf, maravilhosos e que não são tão conhecidos no Brasil. A Bienal também vai apresentar um ciclo de filmes da Cinemateca Afrique, sediada no Instituto Francês, que tem a maior coleção de películas africanas.

A cultura francesa influenciou muitos movimentos artísticos no Brasil, como o modernismo. Atualmente, você enxerga uma troca cultural mais igualitária?

Antes, era a França que influenciava a Universidade de São Paulo com o Lévi-Strauss, influenciava a Tarsila do Amaral com o Fernand Léger, a elite brasileira falava francês. Agora, a situação mudou. A cultura brasileira está mais segura de sua força e capacidade de se desenvolver sozinha. Isso é interessante para nós. E temos influências brasileiras também! O Henri Salvador, claro, com a bossa nova. E também nas artes plásticas e nas ideias, principalmente na questão da diversidade cultural. O Brasil sabe a importância e o significado desse conceito.

Qual é um dos principais destaques da programação em São Paulo?

Para mim, é muito importante mostrar culturas francesas inéditas no Brasil, especialmente aquelas que vêm dos nossos territórios ultramarinos, como Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe. Assim como o Brasil, eles possuem populações negras e indígenas. Então, um destaque é a passagem da grande coreógrafa guadalupense Léna Blou pela capital.

Publicado em VEJA São Paulo de 11 de julho de 2025, edição nº 2952

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