crime S.A. supera o tráfico de drogas

Publicado em: 13/07/2025 09:19

RAUL JUNGMANN, ex-ministro da Reforma Agrária, da Defesa e da Segurança Pública, ex-presidente do Ibama e atual presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)

Extensa e aprofundada pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela uma realidade alarmante: o crime organizado movimenta cerca de R$ 348 bilhões ao ano no Brasil. Surpreendentemente, grande parte dessas atividades ilícitas ocorre dentro do mercado formal, evidenciando a periculosidade do fenômeno.

Baseada em dados de apreensões, estudos de instituições nacionais e internacionais, além de entrevistas com especialistas de órgãos governamentais e do setor privado, a pesquisa não deixa dúvidas: sem um combate integrado e efetivo do Estado, o país continuará refém da criminalidade.

Do total mencionado, R$ 186 bilhões vêm de cybercrimes e roubos, R$ 146 bilhões do mercado ilegal de combustíveis, bebidas, cigarros e ouro, e R$ 15 bilhões do tráfico de cocaína. Essas cifras desmontam a ideia de que a violência no Brasil se resume ao tráfico de drogas, uma visão ainda comum na sociedade, incluindo segmentos da elite política e econômica. 

Na verdade, o tráfico de drogas fatura bem menos e não é a principal fonte de receita do crime organizado. Este, composto por aproximadamente 88 facções — com destaque para o PCC e o Comando Vermelho — não apenas controla o comércio ilegal, mas também integra suas atividades à economia formal por meio de esquemas sofisticados de sonegação e lavagem de dinheiro. 

Essa transversalidade e esse alcance transnacional aumentam a dramaticidade do problema. Os R$ 146 bilhões arrecadados nos mercados de ouro, combustíveis, tabaco e bebidas — que representam apenas uma parte das atividades marginais —, evidenciam a urgência de uma ação coordenada do Estado. 

O papel do governo federal é central na harmonização de informações, na criação de canais seguros de compartilhamento de dados e no desenvolvimento de estratégias de rastreamento de produtos. Estamos diante de uma das maiores ameaças contemporâneas: o Estado paralelo.

A complexidade dessas cadeias produtivas, muitas envolvendo redes transnacionais e crimes ambientais, exige, para seu combate, não apenas capacidade investigativa, mas também conhecimentos técnicos em rastreamento, inteligência financeira e sistemas regulatórios, como aponta o estudo do FBSP.

A União, apartada da segurança pública por todas as Constituições brasileiras, desde a de 1824, tem missão intransferível na coordenação dessas iniciativas, assumindo a liderança na harmonização de informações e na disseminação de dados confiáveis sobre a produção e o rastreamento de produtos para as diversas instituições, criando canais seguros e eficazes de compartilhamento.

É preciso também envolver o setor privado nesse contexto, por meio da construção de uma cultura consciente sobre os impactos do crime organizado, a disponibilização de informações comparáveis sobre ilícitos e o investimento em tecnologias inovadoras para o monitoramento de produtos.

Por outro lado, não se chega a tal situação sem a participação de agentes do próprio Estado, o que levanta uma ameaça ainda maior: a infiltração da criminalidade na estrutura pública e a dimensão da corrupção no ambiente estatal.

Territórios sobre controle do crime — mais de 23 milhões habitam em áreas sob domínio das facções — respondem por parte dessa infiltração no Estado, pois elegem seus candidatos, impedindo candidaturas fora de seus quadros. Com as prerrogativas do mandato, esses agentes obtêm nomeações para cargos na estrutura política e administrativa, de forma legal, assim como ocorre dentro do mercado formal, em que o crime organizado assume segmentos de negócios, como demonstrado.

Tais índices, que podem ser ainda mais conservadores devido às dificuldades de levantamento, contrastam com uma sensação de impotência que permeia a sociedade e o próprio Estado. A exposição constante da violência, na mídia e nas redes sociais, leva à naturalização do problema, criando uma cultura de tolerância e conformismo que enfraquece a mobilização social e política contra o crime.

Para enfrentar essa realidade, é imprescindível uma ação integrada e unificada. Desde a instalação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), durante minha gestão no Ministério da Segurança Pública, defendi a necessidade de uma liderança federal forte, capaz de coordenar esforços e consolidar informações.

Agora, é preciso constitucionalizar a União na segurança pública. A fragmentação de ações e a resistência política ao combate coordenado tornam-se obstáculos que precisam ser superados urgentemente. 



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