entenda os impactos de defesa de Bolsonaro por Trump
Em uma nova ofensiva contra o Judiciário brasileiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, criticou ontem o que chamou de “perseguição” e “caça às bruxas” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado. A reação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi imediata. Cerca de uma hora depois, o Palácio do Planalto divulgou nota na qual defendeu a “soberania” do país e, em entrevista, o presidente disse que não aceitaria interferências externas. A avaliação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é que as declarações do americano não alteram em “absolutamente nada” os rumos do julgamento sobre a trama golpista, que caminha para sua fase final.
O ataque de Trump foi feito por meio de uma publicação em sua rede social, a Truth Social. Na postagem, o presidente dos EUA disse estar acompanhando a situação de Bolsonaro e que o Brasil está fazendo uma “coisa terrível”. Segundo ele, o julgamento do ex-presidente brasileiro deveria ocorrer “nas urnas” e não na Justiça. Bolsonaro foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, na situação atual, não poderá concorrer novamente no ano que vem.
“Ele não tem culpa de nada, exceto de ter lutado pelo povo. Conheci Jair Bolsonaro e ele era um líder forte, que realmente amava seu país — além de um negociador muito duro em questões comerciais. Sua eleição foi muito apertada e agora ele lidera nas pesquisas. Isso é apenas um ataque político, algo que eu conheço bem. Aconteceu comigo dez vezes”, escreveu Trump.
Para integrantes do STF ouvidos pelo GLOBO, a mensagem publicada por Trump faz parte de uma agenda política, que não tem capacidade de impactar no andamento do processo conduzido pelo tribunal. Esses ministros observam que a Corte tem cumprido todas as regras do processo legal, e que não só Bolsonaro, como os demais réus na trama golpista, estão exercendo seu direito à ampla defesa e ao contraditório.
Esses magistrados lembraram ainda que o próprio ex-presidente vem mantendo um tom ameno diante do tribunal, a exemplo do que ocorreu durante os interrogatórios da trama golpista, no mês passado.
Como mostrou a colunista Bela Megale, a Corte decidiu não rebater a declaração de Trump por considerar que o tema está situado na esfera política. Assim, o entendimento é que não caberia ao STF fazer qualquer tipo de comentário público ou oficial.
A reação mais dura coube a Lula. Em nota, o presidente rebateu as declarações de Trump ao afirmar que “a defesa da democracia no Brasil é uma responsabilidade dos brasileiros”. “Somos um país soberano e não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Temos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei — sobretudo aqueles que atentam contra a liberdade e o Estado de Direito.”
No Rio, onde participou do encerramento da reunião do Brics, o presidente foi ainda mais direto e disse para Trump dar “palpite na sua vida”:
— Não vou comentar essa coisa do Trump e do Bolsonaro. Tenho coisas mais importantes para comentar do que isso. Esse país tem leis, regras e um dono chamado povo brasileiro, portanto dê palpite na sua vida, e não na nossa — disse o presidente brasileiro em entrevista.
Ministros do governo também foram às redes rebater Trump. A titular das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, classificou as declarações do presidente dos EUA como “equivocadas”. Ela ressaltou que o americano deveria “cuidar dos problemas de seu próprio país” em vez de interferir na soberania brasileira.
Além de Gleisi, outros governistas também criticaram Trump, como o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias. “Este governo não aceita tutela, nem admite pressões externas que tentem ditar os rumos do país, e muito menos tolerará pressões indevidas contra nossas instituições democráticas, notadamente da nossa Suprema Corte, que tão bem ter servido à defesa da democracia e do estado de direito em nosso país”, disse o ministro.
As declarações pró-Bolsonaro ocorreram um dia após o presidente dos EUA anunciar uma tarifa adicional de 10% aos países que se alinharem às “políticas antiamericanas” do Brics, bloco que reúne nações emergentes e que buscam fazer um contraponto aos EUA no comércio exterior. A declaração final da cúpula, divulgada no domingo, condena a “imposição de medidas coercitivas unilaterais contrárias ao direito internacional” e cite suas “implicações negativas”. O documento, contudo, não cita diretamente a Casa Branca e seu tarifaço (mais informações na página 19).
Enquanto integrantes do governo e do Judiciário criticaram, Bolsonaro e aliados comemoraram as declarações de Trump. Também por meio de uma rede social, o ex-presidente brasileiro agradeceu o aceno do aliado e disse que o processo pelo qual responde no Brasil é “uma aberração jurídica e clara perseguição política, já percebida por todos de bom senso”. “Obrigado por existir e nos dar exemplo de fé e resiliência”, escreveu Bolsonaro no X, em um post direcionado para o republicano.
A crítica ao tratamento dado a Bolsonaro é mais um capítulo da série de ataques de Trump e seus aliados contra o Judiciário brasileiro. Em fevereiro, uma empresa do americano, a Trump Media & Technology Group, e a rede social Rumble entraram com um processo contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, nos EUA por suposta violação da soberania americana. A medida foi tomada em meio ao descumprimento pela plataforma de decisões do ministro, o que levou ao seu bloqueio no Brasil.
Filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que a crítica de Trump ao Judiciário brasileiro foi a “primeira de outras ações que virão”. O parlamentar está licenciado de seu cargo na Câmara desde março deste ano e morando nos EUA com a família. Fora do país, ele tem buscado articular sanções do governo americano contra Moraes. Ele é alvo de um inquérito sob suspeita de tentar obstruir processo da tentativa de golpe de Estado.
A última sinalização nessa direção aconteceu em maio, quando o chefe do Departamento de Estado americano, Marco Rubio, disse que haveria “grande possibilidade” do governo americano impor sanções contra Moraes. A declaração foi dada durante seu depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Congresso, ao ser questionado pelo deputado americano Cory Mills sobre a possibilidade de uma “prisão política de Bolsonaro”.
Na ocasião, foram discutidas as “sanções Magnitsky”, em referência a uma lei criada no governo Barack Obama (2009-2017) para autorizar punição a autoridades estrangeiras violadoras de direitos humanos. A modalidade de punição incluiria o congelamento de bens, o bloqueio de cartões de crédito e a suspensão de redes sociais de Moraes, caso as medidas sejam de fato aplicadas.
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