Guerra civil agrava violência contra mulheres na Nigéria, diz jornalista local

Publicado em: 06/09/2025 11:23


GIULIA PERUZZO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nkiru ‘Kiki’ Mordi, 34, advoga que fazer um jornalismo com perspectiva de gênero é documentar a comunidade, incluindo todos que fazem parte dela. Criadora do documentário “Sex for Grades” (Sexo por Notas, em português), a jornalista nigeriana estará na 9ª edição do Festival Piauí de Jornalismo, que acontece neste sábado (6) e domingo (7), na Cinemateca, em São Paulo.

Ela diz que a Nigéria opera sobre um sistema patriarcal que silencia as vozes das mulheres, como ocorre em outros países. “As mulheres aqui não têm voz. No momento em que você começa a ter uma, ela é silenciada.”

A história da nação mais populosa da África, marcada por conflitos civis, como a Guerra da Biafra, e por governos repressivos e autoritários, contribui para colocar a mulher nesse lugar, em sua visão. Os conflitos de grupos insurgentes, que acontecem até os dias de hoje, como a facção islâmica terrorista Boko Haram e a Província do Estado Islâmico da África Ocidental, obrigam mulheres e crianças a se deslocarem internamente, por terem perdido seus lares.

“[As mulheres] são sequestradas porque querem usá-las para parir mais crianças, para trabalhar. Mesmo dentro de locais que deveriam ser seguros, com organizações internacionais fornecendo ajuda, há funcionários que usam o sexo como moeda de troca para fornecer alimentos para essas mulheres e crianças que perderam suas casas nos conflitos.”

Mordi afirma que qualquer sociedade que testemunha conflitos sabe como estes pioram a situação das mulheres e de outros grupos vulneráveis. Em seu país, ela relaciona que muito desse contexto de violência está ligado ao colonialismo inglês, como uma réplica de como o domínio do Reino Unido funcionava naquela época.

Para as mulheres, isso significa não ter qualquer direito, ela afirma, e não ter nenhum espaço seguro e perder sua voz em meio a essas narrativas. “Um dia, junto com minha avó, descobri que ela também tinha um papel na Guerra da Biafra. Essa não é uma história que ouvimos muito.”

Com a descoberta, percebeu que a forma como as mulheres são documentadas precisava ser reorientada, principalmente porque são parte da sociedade e não podem ser apagadas.

Seu projeto Document Women se dedica a contar histórias pela perspectiva feminina. Com a ajuda de banco de dados, a iniciativa expôs a pouca presença feminina no ramo da tecnologia. Em grande parte, por barreiras de dinheiro, de linguagem técnica e de acesso. Mordi fundou, então, o Stack Journal, voltado para o letramento das mulheres em tecnologia , na tentativa de preencher -ou ao menos estreitar- essa lacuna.

O lugar que ocupa, de jornalista ativista, implica receber múltiplos ataques. Um estudo realizado pelo International Center for Journalists em parceria com a Unesco concluiu que mulheres jornalistas são o grupo que mais sofre ataques de ódio online. Para Mordi, é importante para os trolls -como são chamadas as pessoas que destilam ódio na internet- descredibilizar mulheres jornalistas, porque o jornalismo é uma autoridade. “Hoje em dia, [fazem isso] não mais pelo trabalho que você faz, mas no geral. Quando você começa a ter uma voz e veem que você é jornalista, imediatamente começam a tentar tirar sua credibilidade.”

Até 2020, ela via um avanço nos direitos das mulheres e na igualdade de gênero. Seu documentário “Sex for Grades”, que denunciou abusos de docentes contra alunas nas Universidades de Lagos e de Gana, inspirou um projeto de lei antiassédio sexual na Nigéria, que posteriormente virou lei.

Hoje, no entanto, Mordi considera que vivemos um retrocesso. Ela diz não gostar de culpar os Estados Unidos por todos os problemas, mas acredita que a era Trump tenha contribuído para uma regressão no resto do mundo.

A solução, segundo ela, é não se acomodar com as conquistas obtidas e inovar na forma como se contam as histórias. “No fim do dia, temos que fazer um trabalho interno também e não delegar nosso pensamento à inteligência artificial.”

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