Judiciário brasileiro evita se pronunciar sobre carta de Trump ao Brasil

Publicado em: 11/07/2025 15:31

Nenhum dos principais órgãos do  Poder Judiciário se pronunciou oficialmente, até esta sexta-feira (11/7), sobre a carta enviada por pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na qual o presidente anuncia a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

“A melhor resposta que o Judiciário pode dar é exercer o papel institucional que a Constituição lhe encarrega. Em outras palavras, ele deve conduzir os julgamentos em respeito às leis e ao Direito, deixando a atuação política para os poderes que são competentes para tanto”, disse ao Correio o advogado e especialista em análise de cenários políticos, Sérgio Martins-Costa Coêlho.

A justificativa apresentada por Trump foi a alegada “perseguição judicial” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ). Diante do silêncio institucional, especialistas em comércio internacional e análise política avaliam que o episódio deve ser tratado com cautela e pode desencadear efeitos nas relações diplomáticas e no ambiente político interno.

Na carta, o presidente norte-americano afirma que a Justiça brasileira conduz uma “witch hunt” — caça às bruxas — contra Bolsonaro e diz que, como resposta, adotará a tarifa “a partir de 1º de agosto”, independente de outras alíquotas setoriais. O governo brasileiro reagiu convocando o chefe da embaixada dos Estados Unidos em Brasília, Gabriel Escobar, e anunciou a intenção de aplicar a Lei da Reciprocidade, aprovada neste ano pelo Congresso.

A iniciativa de Trump, inédita no tom e no conteúdo, foi interpretada por parte da comunidade diplomática como interferência nos assuntos internos do Brasil. Coêlho avalia que o episódio se insere em uma estratégia mais ampla do republicano.

“Desde o início de seu segundo mandato, Trump tem adotado uma política tarifária agressiva. Observa-se, no entanto, um padrão: a imposição dessas tarifas elevadas é seguida por uma negociação e, frequentemente, por um reajuste das alíquotas draconianas. Trump tem utilizado a pressão tarifária como uma estratégia para permitir-lhe negociar a partir de uma posição de força”, afirmou Coêlho.

Para ele, o Brasil precisa agir com firmeza, mas sem romper canais de interlocução. “Creio que o governo brasileiro deva responder a esta ameaça tarifária de modo coordenado, diplomático e, sobretudo, pragmático. Não se pode aceitar interferências externas indevidas em assuntos soberanos do Brasil. No entanto, tampouco é possível fechar as portas para diálogos e negociações, seja no âmbito da diplomacia pública, seja no da diplomacia empresarial.”

Sobre a possibilidade de que as sanções impostas por Trump interfiram na condução das ações penais que envolvem Bolsonaro e aliados, o advogado foi categórico. “Não deveriam. A institucionalidade do Judiciário pressupõe que as considerações de ordem política não devam impactar os seus julgamentos”, comentou.

Na avaliação dele, ainda que a família Bolsonaro tenha tido papel na articulação política do episódio, há fatores estruturais mais relevantes. “É verdade que foi, para eles, uma grande vitória incluir uma menção direta ao ex-presidente na carta enviada por Trump.”

No entanto, “parece-me haver outros fatores mais conectados à política americana do que à brasileira — como, por exemplo, o avanço nas discussões sobre a desdolarização das transações entre membros do Brics e a própria discussão sobre a regulação das companhias de tecnologia — que exerceram um papel preponderante na decisão de Trump.”

Impactos econômicos e protecionismo

Para o advogado especializado em comércio exterior Felipe Bocayuva, a imposição da tarifa também pode trazer prejuízos aos próprios Estados Unidos. Segundo ele, a decisão compromete a cadeia global de valor da qual o Brasil é fornecedor relevante.

“A tarifa pode ser sim prejudicial aos Estados Unidos quando falamos da cadeia global de valor. É muito notório que os produtos brasileiros, principalmente do agro brasileiro, são produtos de extrema qualidade”, afirmou. “Essa afetação também afetará, obviamente, no final da cadeia, o próprio consumidor que deixará de consumir alguns produtos ou diminuirá o seu poder de consumo.”

Bocayuva ressaltou que a nova tarifa não se soma tecnicamente a tarifas anteriores, mas que tentativas de evasão fiscal podem sofrer penalidades severas. Ele também lembrou que, desde a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), decisões tarifárias com motivação política são raras.

“Não são comuns as abordagens geopolíticas relacionadas à mudança tarifária. A fundação da OMC foi justamente para que os países signatários pudessem ter cada vez mais segurança em relação aos acordos bilaterais e ao livre comércio entre eles, sem que qualquer tipo de decisão política afetasse essa situação”, destacou. 

Sobre a motivação do governo americano, o especialista diz que o caso Bolsonaro não parece ser o fator central. “Na verdade, nós cremos que a postura de Trump em relação a Bolsonaro é secundária, porque primariamente tivemos a reunião do Brics ocorrida na semana passada aqui no Brasil, e nessa reunião o próprio governo Lula insinuou ser desnecessária a atrelação do dólar nos acordos comerciais entre os países. E isso obviamente enfraquece não só a moeda americana mas toda a economia americana.”

Ainda assim, ele admite que a continuidade do cerco judicial ao ex-presidente brasileiro pode dificultar uma saída diplomática. “Pode ser sim que a condenação de Bolsonaro e a não tentativa de negociar com o governo brasileiro acarretem na manutenção ou até na majoração das tarifas.”

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Para Bocayuva, o governo brasileiro precisa agir com cautela. “É muito importante que o governo brasileiro tenha cuidado, seja sóbrio nas negociações a fim de que possa levar ao Brasil um nome respeitado a todo mundo, um nome de um estado soberano, mas também o nome de um estado que sabe negociar nos momentos de crise e não vai utilizar desse palanque político para fazer mais política ainda.”

Para especialistas ouvidos pela reportagem, embora o gesto de Trump tenha forte carga simbólica e política, seus efeitos práticos tendem a ser limitados e podem até ser revertidos. No cenário interno, contudo, a iniciativa reacende o debate sobre a soberania institucional e o uso da política externa como ferramenta de disputa entre lideranças populistas.

 



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