Novo caminho comercial entre Brasil e Europa pode incluir o Marrocos
Marrakech, Marrocos – Brasil e Marrocos possuem um grande potencial de integração logística, de acordo com o embaixador do Brasil em Marrocos, Alexandre Parola. Nesse sentido, o diplomata considera o porto Tanger Med, ao norte do Marrocos, um importante destino para ser considerado pelos exportadores brasileiros de produtos industrializados, embarcados em contêineres, com destino aos vizinhos africanos, ao continente europeu ou até mesmo para o Oriente Médio.
“O porto é moderno, eficiente e de alto calado — calado é a designação dada à profundidade a que se encontra o ponto mais baixo da quilha de uma embarcação —, com acesso aos mercados europeu, africano e do Oriente Médio. Não tem como não estarmos presentes em Tanger Med”, afirmou Parola, em entrevista ao Correio. Ele ressaltou que Tanger Med pode ser uma alternativa ao porto de Roterdã, na Holanda, encurtando a viagem, em média, dois dias e meio a três dias, reduzindo custos da viagem e na operação portuária.
A relação entre Brasil e o porto Tanger Med no Marrocos pode aumentar as exportações para toda a Europa
(foto: Reprodução)
“Para o exportador que usa Roterdã como transbordo para a Europa, por exemplo, Tanger Med é uma alternativa mais curta para a Europa, porque está a 14km da Espanha”, disse o diplomata. Ele relatou que visitou as instalações do porto da cidade de Tânger e ficou impressionado com a infraestrutura, além do fato de que há uma zona industrial importante onde grandes empresas estão instaladas, como Airbus, Boeing e Renault, e que acabam exportando para a Europa. “Hoje, por exemplo, 20% dos carros da Renault que circulam na França são produzidos aqui. O país é o segundo maior produtor de veículos na África. Não há razão para o Brasil não estar presente em Tanger Med”, ressaltou.
Leia também: Trump impõe tarifas de 30% sobre importações do México e da União Europeia
Na avaliação de Parola, o acordo de cooperação e facilitação de investimentos entre Brasil e Marrocos, promulgado em janeiro deste ano pelo Congresso, cria condições favoráveis para alavancar investimentos e explorar o potencial do porto Tanger Med.
“Esse acordo abre portas de investimentos, e o futuro está em construção”, disse Parola, na quarta-feira (9), em palestra no Lide Brazil-Morocco Forum, realizado em Marrakech, Marrocos, pelo Grupo de Líderes Empresariais, do ex-governador de São Paulo, João Doria.
Há dois anos à frente da embaixada brasileira no país africano, o embaixador reforçou que existe muita convergência entre as duas economias no agronegócio, no turismo e na logística. Segundo o diplomata, desde a retomada dos voos diretos de São Paulo a Casablanca, há três meses, o número de turistas brasileiros no Marrocos aumentou 48%. “A primeira coisa que eu fiz aqui quando cheguei foi conversar com o presidente da Royal Marrocos e falei para eles retomarem os voos diretos para o Brasil”, afirmou.
Leia também: Governo pretende regulamentar Lei da Reciprocidade em resposta ao tarifaço
O diplomata ainda destacou que o Brasil é o segundo maior importador de fertilizantes do Marrocos, atrás dos Estados Unidos, e há potencial para o país passar para o primeiro lugar devido à expansão do agronegócio nacional e da ampliação do uso das áreas degradadas, que somam várias dezenas de milhões de hectares pelo país. Pela proposta do governo, produtores interessados em comprar ou arrendar terras degradadas poderão acessar um novo fundo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com juros mais baixos em troca de melhorias e investimentos na produção local.
Gigante internacional na área de fertilizantes, a OCP Nutricrops tem planos de ampliar a operação no Brasil, de acordo com Leonardus Vergütz, executivo-chefe de pesquisa (CCO) do grupo marroquino. Segundo ele, o país africano detém 70% das reservas de fosfato do mundo, com melhor qualidade e concentração e, portanto, mais benéfico para as plantas. “O fosfato é muito importante para recuperar solos do Brasil, que são pobres desse nutriente”, explicou o executivo ao Correio. Segundo ele, a OCP iniciou conversas com autoridades do Pará para investir no país.
O embaixador brasileiro reforçou que o Brasil pode ser tornar uma porta de entrada dos negócios do Marrocos na América do Sul e uma fábrica de fertilizantes da OCP no Brasil é estratégica para o desenvolvimento do agronegócio, que tem buscado diversificar os fornecedores, em meio à crise gerada por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Alexandre Parola lembrou que o Brasil é um dos maiores produtores globais de alimentos e importa 90% do fertilizante utilizado nas lavouras. “O Brasil sempre foi um grande comprador de fertilizante e tem comprado ainda mais agora. Há um esforço do país para ter uma produção local de fertilizantes, porque depender do exterior em 90% é um risco estratégico, e, portanto, o Marrocos é um parceiro importante nessa área”, afirmou.
Comércio bilateral
As trocas comerciais entre Brasil e Marrocos ainda são tímidas, pois resultam de uma corrente de comércio de USS$ 1,2 bilhão no acumulado do primeiro semestre do ano, mas com crescimento de 19% em comparação ao mesmo período de 2024, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
De janeiro a junho, as exportações do Brasil para o Marrocos encolheram 12,1% na comparação com o ano anterior, para US$ 401,3 milhões. Já as importações saltaram 43,7%, para US$ 824,7 milhões, resultando em um saldo comercial negativo de US$ 423,4 milhões. Adubos e fertilizantes químicos dominam a pauta comercial, respondendo por 83% das importações brasileiras do país africano. “Nos últimos meses, a exportação brasileira de gado vivo aumentou 500%”, destacou Parola.
Com uma população menor do que o estado de São Paulo, o Marrocos deve crescer a passos mais largos do que os da taxa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Em 2024, enquanto o PIB brasileiro avançou 3,4%, o PIB marroquino ficou em 3,2%, e, neste ano, pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB do Brasil vai avançar 2% e o do Marrocos, 3,9%, ou seja, quase o dobro.
Leia também: Governo e agro brasileiro buscam saídas contra o tarifaço dos EUA
João Doria, do Lide, destacou as oportunidades entre os dois países em diversas áreas, inclusive, na transição energética, lembrando da realização da 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), que será realizada em novembro no Brasil. “Os marroquinos são como os brasileiros. Apreciam as relações entre as pessoas e reconhecem valores humanos nas realizações e esse fórum com amigos do Marrocos engrandecem o nosso encontro”, afirmou.
No almoço de encerramento do evento, Doria criticou a polarização do país e defendeu a busca de parcerias comerciais do Brasil com outros países, sem a ideologização que vem dividindo o país. “Não faltam interesses. Por que não procurar negócio em vez de confronto?”, reforçou ele, que, no mês que vem, realizará novo fórum do Lide na Índia, hoje o país mais populoso do mundo e com crescimento do PIB mais acelerado do que a maioria dos países emergentes.
* A jornalista viajou a convite do Lide
Bing News