os impactos diretos e indiretos da medida de Trump
“A única constante é a mudança.”
A sabedoria do aviso de Heráclito se reafirmou ontem com o anúncio do presidente norte-americano Donald Trump de medidas agressivas sobre as exportações brasileiras. Nossos vastos campos de soja e hangares da Embraer vão vergar agora sob o peso de 50% de tarifas de importação.
Mas, dando um passo atrás e tentando nos distanciar do calor do anúncio, temos que analisar de forma pragmática quais os impactos de tal medida.
Voltando ainda mais, esse é um evento totalmente aleatório? Claramente não. Verdade que o nível das tarifas é excessivamente punitivo. Por outro lado, a ideia de que o mundo está passando por um processo de certa “fragmentação” comercial e reorganização das cadeias de produção não é nova. Inclusive pré-data a guerra comercial 2.0 do presidente Trump.
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O imperativo econômico de integrar as cadeias de produção de forma a otimizar custos, que fez da China a “fábrica do mundo” entrou em conflito com as realidades geopolíticas e a “realpolitik” (como sempre) prevaleceu. Então o mundo se encontra em um processo de reorganizar suas cadeias de produção, que muito provavelmente resultará em um novo equilíbrio com menos crescimento e mais inflação (David Ricardo, no século XIX já nos mostrou isso, não custava lembrar essa lição).
Mas voltando ao Brasil. Podemos ver as medidas agindo através de canais de impacto diretos e indiretos. Nos canais diretos (a aritmética do PIB), alguns pontos importantes a ressaltar:
- 1) somos uma economia relativamente fechada, onde comércio internacional é uma parte relativamente pequena do PIB.
- 2) Nossa pauta de exportações para os EUA é dominada por commodities, que podem ser redirecionadas a outros mercados (mas com custos).
Em números precisos, nossas exportações para os EUA são menos de 2% do PIB. Usando os números do time de economia da XP, o impacto direto no PIB é algo da ordem de 0.2%-0.5% do PIB, sem dúvida relevante, mas não o suficiente para gerar uma recessão.
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A grande questão são os canais “indiretos” tais como os impactos no mercado financeiro. O Brasil vinha sendo um grande beneficiário do dólar mais fraco que observamos ao longo do primeiro semestre. Um real mais forte nos permite importar alguma “desinflação” global e por consequência tira pressão das taxas de juros. Será que teremos a continuação do fortalecimento da moeda que ajudaria o Banco Central em seu processo de trazer a inflação para a meta? Caso contrário, o “período bastante prolongado” de Selic a 15% pode se estender mais, o que certamente terá um impacto em crescimento.
Os canais indiretos serão muito influenciados pelos desenvolvimentos futuros, em especial a reação do governo brasileiro. Uma escalada das tensões com retaliações e escalada do conflito comercial muito provavelmente será associada a um aumento adicional nos prêmios de risco. Por outro lado, uma resolução negociada pode limitar o impacto negativo.
Então como reagir? Não custa lembrar algumas das lições de finanças comportamentais. Em momentos de stress extremos, nosso cérebro é evolutivamente treinado para:
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- 1) focar no negativo;
- 2) ser incapaz de tecer análises complexas.
Nessa hora muita calma. Emoções extremas gerando reações extremas não tende a produzir bons resultados em termos de investimentos.
Cabe aqui uma análise não passional dos fatos e impactos, para só depois tomar uma decisão. Também lembrar da anedota de Ulysses Guimarães que em reuniões importantes deixava uma cadeira vazia. Quando questionado respondia: “Essa cadeira é do Senhor Fato Novo. Ele sempre chega. E quando chega, muda tudo”. Ou, de forma menos erudita, a frase com a qual a área de alocação da XP tem iniciado suas apresentações: “o mundo não vai acabar, mas ele mudou de formas relevantes”. Não reconhecer isso pode ser um erro bastante custoso.
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