Por que Trump resolveu agredir o Brasil e o que acontece agora
Rubens Ricupero analisa impacto das tarifas de Donald Trump imposta ao Brasil
Rubens Ricupero avalia as medidas do presidente dos EUA e aponta os caminhos para o governo brasileiro.
Donald Trump é um líder autoritário, impulsivo e com baixo refinamento intelectual, mas seu estilo de valentão de ensino fundamental travestido de macho alfa tem atraído fãs ao redor do mundo todo. E um de seus maiores entusiastas também é autoritário, impulsivo e com um refino intelectual, digamos, escasso: o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ao longo dos últimos anos, o presidente americano consolidou essa turma de fãs em torno de uma espécie de Internacional Populista, que reúne, além de Bolsonaro, o húngaro Viktor Orbán, os neonazistas da Alternativa para Alemanha, a francesa Marine Le Pen e Nayib Bukele, em El Salvador.
O deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), sustentado por doações feitas ao pai por acólitos fieis, conspirava há meses em solo americano para que Trump usasse todo o peso da Casa Branca em favor de seu pai contra a República brasileira.
Deu certo. O lobby do deputado permitiu a Trump usar suas tarifas, ou a ameaça delas, como ferramenta de pressão geopolítica.
É coisa de gângster. Mas por que o achaque? E sobretudo, por que agora?
Trump e a primeira-dama Melania em Washington Foto: Brendan Smialowski/AFP
O Brasil tinha voado razoavelmente abaixo do radar trumpista desde a posse, em janeiro. No começo do mandato, Trump tinha dito que os EUA não precisam do Brasil e que nós precisamos mais deles do que eles da gente.
No ‘Dia da Liberação’, quando o presidente anunciou tarifas contra praticamente todos os parceiros comerciais americanos no planeta, ficamos com a menor taxa, a de 10%. Isso aconteceu porque a fórmula usada então punia déficits, e a balança comercial bilateral é superavitária em favor dos EUA.
A fixação de Trump com tarifas e superávits comerciais funciona dentro de uma lógica mercantilista. Ele quer que os países paguem pelo privilégio de fazer negócios com os EUA e por estar em sua zona de influência. Quem está fora dela, na visão do presidente americano, tem de ser punido.
Segundo assessores de Trump como Scott Bessent e Stephen Miran, como parte do acordo para negociar com os EUA, esses países valorizariam suas moedas locais em relação ao dólar.
Com isso, a indústria americana, protegida pelas tarifas e com um câmbio mais competitivo, voltaria a produzir e gerar empregos em Estados politicamente estratégicos para os republicanos.
Mas ao mesmo tempo em que Trump planeja desvalorizar a moeda americana, ele pretende manter o privilégio exorbitante do dólar, que permite aos EUA um nível de endividamento muito, muito alto. Para que isso continue, o dólar tem de seguir como moeda de reserva global.
O risco à hegemonia do dólar
Nesse cenário, Trump vê o Brics, grupo de emergentes liderado pela China do qual o Brasil é fundador, como um risco à hegemonia do dólar.
Antes mesmo da posse, em dezembro, Trump ameaçou o Brics com tarifas de 100%, caso o bloco criasse uma nova moeda para substituir o dólar ou apoiasse uma alternativa à moeda americana.
A cúpula do Brics no Rio, no fim de semana, deu dois passos no sentido de aumentar a importância das moedas locais nos negócios entre países do grupo e reduzir a dependência do dólar.
O primeiro foi o compromisso de aumentar as negociações em moedas locais. O segundo foi o desenvolvimento de um sistema de pagamento próprio do bloco. Atualmente, o sistema Swift, dominado pelos EUA, é o principal meio de pagamentos internacional.
Lula participa da sessão plenária “Paz e Segurança e Reforma da Governança Global” durante a Cúpula dos Brics, no Rio de Janeiro Foto: Ricardo Stuckert/PR
No domingo, ainda durante a cúpula, Trump ameaçou com tarifas quaisquer países que façam negócios com o Brics. Na terça, chegou a dizer que o Brics foi criado para prejudicar os EUA. “O Brics foi criado para desvalorizar o nosso dólar e tirar o nosso dólar como padrão”.
Mas este risco, hoje, é pequeno, por mais que a China tenha crescido. Não existem condições ainda para que nenhuma moeda substitua a hegemonia do dólar. O domínio americano sobre o fluxo de pagamentos globais ainda está longe de acabar.
Ironicamente, a maior ameaça à hegemonia do dólar hoje é a própria falta de confiança e previsibilidade que Trump tem injetado na economia global. A volatilidade dos títulos da dívida americana, com seus juros cada vez maiores, são um exemplo disso.
IA e redes sociais
Outro ponto que antagoniza Trump e o governo brasileiro é a questão da regulação das redes sociais e da Inteligência Artificial.
Principais doadores da campanha do republicano, os magnatas do Vale do Silício vêm tentando escapar de qualquer ação nesse sentido em outros países, como a Austrália, o Canadá e a União Europeia.
Há duas semanas, o STF decidiu que plataformas podem ser responsabilizadas por conteúdos que configurem crime.
Zonas de influência
Além disso, desde o começo do mandato, Trump tem dado indicações de que enxerga o mundo hoje como uma disputa entre zonas de influência: de um lado os EUA e o hemisfério ocidental, numa espécie de reedição da Doutrina Monroe; a Europa ocidental abandonada à própria sorte para disputar com Moscou o domínio sobre o continente; e uma China cada vez mais protagonista da Ásia, cuja ascensão não interessa ao presidente republicano.
As tarifas terão consequências para os americanos comuns e para os produtores brasileiros. Os impostos são pagos por quem compra o produto importado, e são repassados ao consumidor final. Com isso, os preços sobem.
Os principais produtos brasileiros vendidos nos EUA são café, suco de laranja, carne, celulose, aço e ferro e material aeronáutico. A imposição de tarifas de modo indiscriminado é pouco inteligente. É impossível, dadas as condições climáticas americanas, substituir totalmente a importação de café e laranja.
Mesmo que Trump encontre outros vendedores, com menos oferta, o preço sobe, e o café da manhã e o churrasco do americano ficarão mais caros.
Do lado brasileiro, as empresas mais sensíveis são as de maior valor agregado, como celulose, siderurgia e aeronáutica. Mas mesmo aqui os americanos enfrentarão dificuldades. Peças de aviões exclusivas da Embraer, por exemplo, ficarão mais caras e não podem ser substituídas por de outras empresas.
Você sabe o que são Terras raras e por que tem tanta gente graúda atrás delas?
Controle sobre a cadeia de suprimentos de minerais críticos e terras raras tornou-se uma questão estratégica para os EUA.
A reação do Brasil
Resta saber como o governo brasileiro reagirá. Desde janeiro, outros países vem demonstrando variados tipos de resposta. Dos mais intempestivos, como Gustavo Petro, na Colômbia, que falou grosso e mudou de discurso no dia seguinte, aos mais mansos, como Bangladesh e Camboja.
Outros como China e Canadá pagaram para ver. Os britânicos apelaram para os elogios ao ego de Trump.
O presidente americano já falou que pretende subir as tarifas caso Lula retalie. Há outras medidas que podem ser tomadas. Os chineses, por exemplo, restringiram as exportações de metais raros críticos para a indústria de defesa americana.
Como o próprio ex-presidente Bolsonaro gosta de lembrar, o Brasil é o principal produtor de Nióbio do mundo, e esse elemento tem aplicações em diversas indústrias estratégicas americanas.
Um pivô para a Ásia
De qualquer forma, o acirramento das tensões comerciais com os EUA tem de tudo para fortalecer um movimento que o Brasil já vinha tomando desde que Trump chegou à Casa Branca: a aproximação com grandes mercados consumidores na Ásia.
Lula se reúne com o primeiro-ministro do Vietnã, Pham Minh Chinh, em maio de 2023 Foto: Ricardo Stuckert/PR
Ainda que o Brasil tenha cada vez mais orbitado perto da China, não é do interesse do País depender exclusivamente de seu maior parceiro comercial. A hesitação do governo em aderir à Iniciativa Cinturão e Rota é um exemplo disso.
Nos últimos meses, o Brasil fechou acordos comerciais com o Japão e o Vietnã. No segundo semestre, o presidente Lula viajará com missão similar a Malásia, e logo após o Brics, manteve reuniões bilaterais com os chefes de governo da Malásia e da Índia.
Somados, esses países representam um mercado consumidor gigantesco, repleto de oportunidades para os produtos brasileiros. Cabe ao Planalto não desperdiçá-los.
Bing News