Quando os Poderes se enfrentam, quem perde é a sociedade

Publicado em: 18/07/2025 02:42

A democracia brasileira volta a ser colocada à prova diante do aumento das disputas entre os três Poderes, da judicialização excessiva de temas políticos e da crescente polarização, que já contamina o debate sobre as eleições de 2026. Esses embates não trazem benefícios concretos à sociedade brasileira, tampouco contribuem para o fortalecimento das instituições democráticas.

É fundamental recordar que a radicalização política foi um dos principais elementos que levaram o Brasil a flertar com a ruptura institucional em janeiro de 2023. O cenário atual não é isolado. O país reflete uma tendência global de crescente desconfiança em relação às instituições democráticas.

Segundo o Índice de Democracia 2024, publicado pela Economist Intelligence Unit, o mundo alcançou o pior resultado já registrado no quesito confiança da população nas instituições democráticas. O Brasil ocupa atualmente a 57ª posição no ranking geral, ficando no grupo das “democracias com falhas”. Além de estar distante do grupo das “democracias plenas”, o país ainda recuou seis posições em relação ao levantamento do ano anterior. Os indicadores em que o Brasil obteve pior desempenho — “funcionamento do governo” e “cultura política” — refletem, de forma contundente, os dilemas centrais dos acontecimentos recentes na política nacional.

Esse quadro compromete a possibilidade de um debate público qualificado e participativo em torno de pautas de interesse coletivo. Ao mesmo tempo, aprofunda a desilusão da população com a democracia e seus mecanismos. Temas cruciais como reforma tributária, crise do INSS, regulação do lobby e governança ambiental encontram dificuldades de avanço em meio à guerra de narrativas e ao enfraquecimento do espaço público de diálogo.

Para reverter esse cenário, impedir a captura de pautas por grupos de interesse isolados e avançar na consolidação da democracia nacional é preciso — de maneira urgente — investir na adoção de práticas efetivas de transparência nas ações governamentais de todos os Poderes; na promoção de uma cultura de respeito, cooperação e escuta entre Estado e sociedade; e na revisão dos marcos normativos que regem o processo legislativo, buscando maior previsibilidade, racionalidade e abertura à participação social.

Cabe aos líderes políticos, parlamentares e gestores públicos — em todos os níveis federativos — assumir o compromisso com o interesse coletivo, deixando de lado a lógica da confrontação permanente em favor de uma atuação responsável, transparente e comprometida com o bem comum. Nesse contexto, o setor privado, por meio de seus profissionais de relações governamentais, e a sociedade civil organizada desempenham papel crucial, atuando como ponte entre empresas, cidadãos e instituições. Juntos, eles fiscalizam, propõem e fomentam espaços de diálogo plurais e democráticos.

Reverter esse cenário exige urgência, responsabilidade e compromisso coletivo. É preciso fortalecer todos os processos democráticos e ampliar a escuta estruturada dos cidadãos pelos Poderes Executivo e Legislativo, cultivando uma cultura de diálogo e cooperação. Só assim o Brasil poderá superar os desafios que se impõem nessa escalada global de autocracias e viver uma democracia plena — efetivamente pautada pelos interesses de sua sociedade.

*Lara Gurgel é diretora executiva do Instituto de Relações Governamentais


Bing News

Compartilhar

Faça um comentário