Violência política contra as mulheres vem crescendo no Brasil
Em entrevista à imprensa, a ministra Marina Silva se referiu aos ataques sofridos por ela no Congresso Nacional pelo nome certo: violência política de gênero. Um fenômeno que tem sido estudado por cientistas sociais e que, infelizmente, tem crescido no país e no mundo a partir da disseminação de grupos de ódio e também do avanço das autocracias.
Segundo o Monitor da Violência Política de Gênero e raça 2021/2023, lançado em agosto de 2024 pelo Instituto Alziras, 58% das prefeitas brasileiras em exercício afirmam já ter sido vítimas de violência política de gênero, um aumento de 5 pontos percentuais em relação às governantes do mandato anterior.
MULHERES NEGRAS SÃO AS MAIS AFETADAS
Uma violência que é ainda maior no caso das parlamentares negras candidatas: 98% das parlamentares negras candidatas nas eleições de 2020 disseram ter sofrido violência política de gênero e raça.
Apesar de ambos os sexos serem alvo de agressões nas redes sociais durante as eleições, os homens são, em geral, atacados pelo que dizem enquanto as mulheres são atacadas pelo que são. Para ofender as mulheres, os agressores, frequentemente, reduzem a sua capacidade intelectual, questionam o caráter de suas vidas privadas e fazem comentários gordofóbicos, racistas e misóginos.
“A violência política de gênero escancara o machismo estrutural do país, que se demonstra a partir da misoginia”, analisa Sofia Amaral, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem/UFMG), em entrevista à coluna.
Segundo ela, são os comportamentos das mulheres que são colocados em xeque e não as ideias. Uma “tática política” para impedir que essas mulheres possam exercer suas tarefas no espaço público.
Para a pesquisadora, esse tipo de violência cresceu a partir de 2016, época do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em que houve uma agudização desse tipo de violência.
Segundo a publicação Violência Política e Eleitoral no Brasil, da Justiça Global e da organização Terra de Direitos, de 2016 para cá, foram registrados 1.583 episódios de violência política em geral.
A partir de notícias extraídas de veículos de comunicação, a pesquisa mapeou 714 casos ilustrativos de violência política de 1º de novembro de 2022 a 27 de outubro de 2024, data em que ocorreu o segundo turno das eleições municipais no Brasil. Ao todo, foram registrados 182 assassinatos e atentados contra os agentes políticos, 311 ameaças, 86 agressões e 95 ofensas, além de casos de invasão e criminalização. Um número expressivo de casos (36,6% do total) é relativo às mulheres.
De acordo com o levantamento, 2024 foi o ano mais violento de toda a série histórica: dos 558 casos registrados neste ano, quase 75% aconteceram entre agosto e outubro, meses do período eleitoral.
Esse tipo de violência tem o objetivo de impedir, desencorajar ou intimidar a participação de mulheres na política e acaba sendo, segundo a pesquisadora, mais uma das muitas barreiras que as mulheres enfrentam para acessar o espaço político e permanecer em condições dignas de trabalho.
Desde 2021, a violência política de gênero é crime no Brasil. O pleito de 2022 foi o primeiro após a aprovação da Lei de Violência Política de Gênero (Lei nº 14.192/2021) e da tipificação do crime de violência política pela Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021).
Para Sofia Amaral, as duas legislações são para serem comemoradas, mas ainda é preciso avançar mais. “As leis falam em sexo e não em gênero, o que dificulta a proteção das mulheres transexuais e travestis”, critica. Outro problema, segundo ela, é que essas legislações não protegem as ativistas, defensoras de direitos humanos, sindicalistas e integrantes do movimento estudantil, que seguem sendo vítimas e alvos de violência política.
A pesquisadora também lamenta o fato de as leis não garantirem a responsabilização dos partidos políticos, dos dirigentes partidários e das casas legislativas. “Deve haver um maior arcabouço jurídico para proteger essas mulheres e responsabilizar os agressores”, diz ela.
UMA VIOLÊNCIA QUE AINDA FICA IMPUNE
Infelizmente, os resultados dos primeiros anos de execução das leis não são nada positivos. Segundo o levantamento do Instituto Alziras, uma em cada quatro representações de violência política de gênero protocoladas entre 2021 e 2023 foi encerrada ou arquivada.
Doze ações penais foram ajuizadas pelo crime de violência política de gênero (o equivalente a 7% das representações) nesse período. Nenhuma delas teve o julgamento concluído em definitivo até janeiro de 2024. A maioria dos casos (29%) ainda estava em fase de inquérito policial.
O impacto dessa impunidade acaba sendo sentido no cenário político nacional. “Desde a corrida eleitoral as mulheres enfrentam desvantagens do ponto de vista social pela desigualdade de gênero”, lamenta Sofia Amaral.
Segundo a pesquisadora do Nepem, violência política de gênero e baixa representação das mulheres nos espaços políticos têm uma “correlação muito forte”. A violência política de gênero, segundo ela, é um dos muitos obstáculos que as mulheres enfrentam para poder atuar nesse espaço.
Hoje, as mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras e 16% dos assentos nas câmaras de vereadores. De acordo com o Instituto Alziras, se continuarmos nesse ritmo, levaremos 144 anos para alcançar a paridade de gênero no poder executivo municipal.
Em um país onde mais de um quarto da população é de mulheres negras, elas governam apenas 4% das cidades, onde vivem somente 3% da população. Nas casas legislativas, as vereadoras negras são apenas 6% do total de pessoas eleitas.
O Brasil foi o primeiro país latino-americano a eleger uma mulher prefeita, em 1928. Quase um século depois, as mulheres permanecem insuficientemente representadas em todos os níveis de governo e a violência política de gênero e de raça ainda é um obstáculo que precisa ser superado. Já passou da hora de mudar esse jogo.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.